Um Girassol no Labirinto do Minotauro

Estava num labirinto, perdido, e nada a mim se definia como um possível destino. E mesmo que eu tivesse desenrolado um novelo de lã pelo caminho, já não optava pelo retorno. O labirinto não era uma prisão, mas uma fuga, e quanto mais eu fugia, mais perdido me encontrava...
Por onde eu fosse, só havia corredores escuros e portas fechadas. Tudo era frio e seco, mas no meu coração um incêndio a esperança queimava. E tanta dor as labaredas do fogo me causavam que, sem pudor, ainda gritava, acreditando que pudessem me ouvir ou, se me ouvissem, que me salvassem do Minotauro que havia em mim, que me tirassem dali, que me devolvessem a alegria e a esperança quais eram consumidas pelo incêndio incontrolável... Nutria-me de corpos pueris que serviam apenas de combustível para a queima do meu coração...
Ninguém que tenha ousado tentar destruir o Minotauro perdido entre as paredes do meu inconsciente jamais conseguiu voltar: perdiam-se todos eles e se desintegravam nas entranhas da minha mente...
Cedo ou tarde, minha consciência despertou e se sobrepôs a todas as instâncias da minha psiquê. Passei a viver o presente: passado e futuro já não existiam... Então, naquele campo árido, santo e tão vasto, minhas emoções um novo devir fertilizaram. Com as águas do meu pranto, o campo verdejava mais a cada instante...
Um frescor anunciava um infindável horizonte de bem-aventurança e de auto-confiança... E a chuva que caía do meu nublado semblante apagava o incêndio daquele sentimentalismo infame...
O Minotauro de outrora perdido agora era esquecido - aquele ser já não existia. Depois de sofrer a fúria da injustiça pude entender que ele não era meu ser...
Tornei-me presente. Situei-me no novo devir até que vi, à minha frente, um lindo girassol se destacando na natureza, resplandecente...
Caminhei lentamente para perto da flor. Era fim do dia e lâmpadas frias se acendiam. Olhei para trás e vi que misteriosamente as paredes do labirinto haviam se transformado em estantes de livros. Logo deduzi que estava em outra esfera da vida. Percebi que o girassol era Clítia, uma deusa grega antiga - em qualquer jardim, a flor mais linda!
Diante da flor, sua beleza meu ser paralisou...
Revisei a história da Clítia num mito escondido entre as sombras das estantes de livros: Clítia se apaixonou por Hélio, o deus do sol, e este a desdenhou. Então ela criou raízes e se tornou um girassol a admirá-lo do nascente ao poente. Alimentava-se do orvalho, seu próprio pranto...
De acordo com o mito, tratava-se de uma maldição...
Por que a encontrei, então?
Realmente não sei, mas levei em consideração que eu mesmo havia me livrado da minha maldição. Fui eu mesmo o rei Teseu que derrotou o Minotauro comigo cruel...
Naquele momento, decidi fazer algo pela Clítia: olhei para trás e vi as estantes de livros. Não precisei ler livro algum, e a idéia já me veio à cabeça: considerei que maldição não fosse mais que feitiço ou encanto, advindo de um deus vaidoso...
Estou farto desses deuses todos!
Então pensei no antídoto mais clássico na literatura dos contos de fada: um beijo do verdadeiro amor...
No pôr-do-sol, pus-me de costas para os seus raios e de frente para Clítia. Ajoelhei-me e a beijei como nunca antes havia beijado uma flor...
E eis que ela das suas raízes se livrou. Abri os olhos e era mesmo a Clítia: tão linda! Sorrimos, e de felicidade rolamos por todo o campo...
Estávamos livres do pranto...
Estávamos prontos para mais um encanto...
Até que de súbito o Minotauro acordou... Clítia não estava ali... Era um sonho. Sua mente labiríntica ainda o prendia. Mas o que ele percebeu foi que poderia sonhar...
fev/2018